Formação docente precisa sair do mesmo lugar
Formar bons professores continua
sendo um dos principais desafios da educação brasileira – mas pouco tem sido
feito
A necessidade de
melhorar a formação do professor brasileiro, em cursos de graduação e também
nas atividades continuadas de renovação de métodos e conhecimentos, é consenso
entre intelectuais e educadores de todas as nuances políticas e visões sociais.
Com as mudanças em ritmo avassalador geradas pela revolução tecnológica e os
procedimentos globais nos últimos anos, essa lacuna passou a criar prejuízos
ainda maiores ao processo educacional. Educação procurou
especialistas no assunto para discutir como encarar esse desafio no Brasil
atual.
A pedagoga,
fonoaudióloga e mestre em Linguística Aplicada aos Estudos da Lirnguagem
Cristina Nogueira Barelli é especialista na formação inicial do docente em
cursos de graduação. Nessa fase, destaca ela, um forte programa de estágio em
campo é fundamental. “O estudante, que no caso dos cursos de pedagogia será o
futuro professor, precisa ganhar prática docente nos estágios desde o primeiro
semestre”, defende. “Nas nossas graduações, os estágios vão evoluindo em
carga, complexidade e também nas séries do início ao final do curso.”
Para ela, uma boa
forma de conseguir os efeitos de uma residência com o professor recém-formado é
introduzir maior rigor no acompanhamento e cobrança de resultados dos
profissionais em seus três primeiros anos de atividade. “Precisamos de uma
política pública de verdade para receber esse professor quando ele deixa a
graduação e ingressa no mercado de trabalho e fiscalizar os resultados de uma
forma propositiva. O estágio probatório existe oficialmente na legislação, mas,
na prática, fica apenas no papel na maioria dos casos”, lamenta.
Cristina Nogueira
chama atenção para outro ponto importante no trabalho de aperfeiçoamento da formação
docente em larga escala no país: a avaliação mais rigorosa da qualidade dos
cursos. “Os cursos de pedagogia e licenciatura deveriam estar entre os mais
fiscalizados e cobrados. Afinal de contas, eles formam pessoas que serão
futuros profissionais em todas as outras áreas. Mas, infelizmente,
historicamente nunca foi assim”, diz. “Essa realidade gera situações
lamentáveis. Um exemplo: no último Enade, apenas 30 dos cursos de pedagogia
atingiram cinco, a nota máxima da avaliação. Isso é 3% do total. É pouco, muito
pouco, constrangedor. E uma quantidade considerável ficou abaixo da nota três,
considerada o piso aceitável. Abaixo disso, é necessário um processo de
recuperação, mas está claro que esse trabalho não está sendo feito com as
exigências necessárias para a elevação do nível geral.”
Cristina Nogueira Barelli destaca como fundamental a necessidade de
prática docente já no primeiro semestre dos cursos de pedagogia (foto:
divulgação Singularidades)
E qual é a parte a
ser assumida pelo estudante e futuro professor nesse processo? O que o aluno de
licenciatura precisa fazer para colaborar com sua própria reciclagem e o
trabalho de união de teoria acadêmica e prática? “Antes de tudo, ele precisa
entender que, no ambiente de mudanças em alta velocidade que vivemos no mundo
atual, o educador não pode abrir não da combinação da pedagogia tradicional com
a tecnologia e a contextualização do ensinamento. Os alunos atuais e grande
parte dos professores já são filhos da era da digitalização total. A leitura e a
análise das teorias clássicas são fundamentais, não há bons professores sem
elas, mas é igualmente indispensável ligar esses conteúdos às realidades e
apelos dos alunos e às ferramentas contemporâneas.”
A necessidade de
manter métodos, projetos e conteúdos atualizados em toda a vida profissional,
para o educador, é maior do que a de qualquer outra atividade. Por isso, a
formação continuada a partir do início da atuação, segunda parte do processo, é
igualmente fundamental. No Brasil, esse trabalho normalmente é feito em ilhas
de excelência, quase sempre privadas. Redes públicas estaduais e municipais,
que abrigam grandes quantidades de educadores, enfrentam grandes desafios para
realizar essa tarefa.
Na tentativa de
amenizar essas dificuldades, o governo do Estado de São Paulo criou, em 2009, a
Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação Paulo Renato
Costa Souza (Efape). A missão da unidade é criar condições para o
desenvolvimento profissional dos servidores da educação paulista através da
atuação prática, com cursos e avaliações periódicas, e da adoção de novas
tecnologias como ferramentas para a formação continuada.
Formação continuada
Os projetos da
Efape incluem cursos específicos para a formação de professores
recém-admitidos, atividades e palestras presenciais e por meio digital, além de
ambientes virtuais de aprendizagem. Os programas são divididos para atender 245
mil servidores da secretaria estadual, entre eles 193 mil professores,
diretores e orientadores pedagógicos de 5,4 mil escolas fundamentais e médias
do sistema estadual paulista, divididas em 91 diretorias de ensino. O batalhão
de educadores aumenta consideravelmente com os programas de formação em
parceria com redes de municípios do estado.
Para levar os
cursos e atividades a tantas escolas, professores e servidores em todos os
cantos do estado, a escola conta com uma plataforma de peso: a Rede do Saber.
Criada em 2001, essa rede pública de videoconferências, uma das maiores da
América Latina com objetivos pedagógicos, passou para o controle da Efape a
partir de sua fundação. “O Estado de São Paulo, como o Brasil, possui uma
grande diversidade de demandas educacionais, ligadas a cada região”, constata a
coordenadora da escola, Cristina de Cássia Mabelini da Silva. “Nosso trabalho
começa na escolha e na contextualização desses conteúdos, e também na
definição do modelo de transmissão desses conhecimentos de acordo com cada
realidade regional. Depois da aplicação, a avaliação de campo é feita por
técnicos de nosso time em parceria com profissionais das diretorias regionais e
escolas envolvidas”, explica a coordenadora.
A grande área de
ação e a quantidade de profissionais envolvidos no trabalho da Efape evidenciam
uma dificuldade a ser superada na formação continuada em larga escala:
consultar e ouvir os educadores envolvidos, ou ao menos uma amostra
cientificamente aceitável deles, antes da definição de forma e conteúdo dos
programas de renovação. “O trabalho não deve ser feito de cima para baixo por
dois motivos básicos. O primeiro é evitar que o professor se sinta
desprestigiado ou subvalorizado. Há também um problema prático: muitas vezes,
nas avaliações dos programas de educação continuada, os educadores dizem que já
sabiam do que foi tratado. Além de constrangedor, gera perda de esforço, tempo
e dinheiro”, ensina Ivaneide Dantas da Silva, coordenadora de projetos e
responsável pelas ações de educação continuada do Instituto Singularidades.
Por isso, a
educadora defende a realização de pesquisas de campo anteriores nos universos
envolvidos. “A complexidade aumenta, mas não tem jeito: é um ponto fundamental.
Nas redes mais volumosas, a saída é fazer pesquisa. É a forma como
trabalhamos.” O método é utilizado nos projetos de formação continuada do
Singularidades em parceria com municípios e instituições. Numa parceria recente
com a prefeitura de Recife para a renovação de professores do ensino infantil,
160 professores foram escolhidos, consultados e preparados pela equipe para
funcionarem como reprodutores de um curso de formação de três meses de duração.
O mesmo caminho foi tomado antes da definição de um curso online de 40 horas
sobre o currículo da rede municipal de São Paulo e em um programa de renovação
de educadores da rede Sesi. “A escuta e a validação são fundamentais. Sem elas,
o risco de não se ter eficiência é alto”, alerta Ivaneide. Os caminhos estão desenhados.
Ao trabalho, porque o atraso a ser recuperado não é pequeno.
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